Dr. Aníbal Pereira dos Reis

(ex-padre)

Prefácio

João Paulo II, aos 22 de junho de 1980, em pomposa solenidade no Vaticano, celebrada, na presença de luzidios representantes do catolicismo brasileiro, “beatificou” o “padre” José de Anchieta, instalando-o no rumo definitivo da “canonização”, ato a se concretizar em futuro bem próximo, pelo qual, incluindo-o no elenco dos “santos” romanos, consoante os ensinos de sua teologia, elevá-lo-á a intercessor dos seus devotos perante Deus e credenciá-lo-á ao culto público no mundo inteiro.

Vindo ao Brasil, passando pela Capital de São Paulo, o “pontífice” da idolatria, no Campo de Marte, celebrou a primeira missa em louvor do novel “beato”, em cujo ensejo proferiu sua homilia laudatória à “fascinante figura do bem-aventurado Anchieta”.

Os cultivadores da História Pátria, enojados, torceram o nariz diante dessa descabida adjetivação e dos conceitos emitidos pelo “papa” acerca do “bem-aventurado”. Sabem eles da real dimensão dos males causados ao Brasil por Anchieta e seus confrades jesuítas. Ao invés de aplausos ao “pontífice” beatificador, erguem seus apupos às manobras do clero empenhado em elevar aos altares da superstição nacional o “padre” José de Anchieta, que não foi santo, e que, embora canonizado, não será o primeiro “santo” brasileiro por ser ele espanhol; cujos “milagres” se capitulam entre as reles mistificações de prestidigitadores das coisas religiosas; que, sem ser brando, massacrou pobres silvícolas; que nas Reduções Jesuítas de Piratininga escravizou brasilíndios; que esmagou mamelucos; que perseguiu calvinistas…

Anchieta, um mistério de crimes, de espoliações e de embustes…

Os evangélicos brasileiros, já expressiva minoria consciente, sempre partícipes ativos nas soluções dos problemas nacionais e nas celebrações dos grandes eventos; os evangélicos brasileiros, fiéis contribuintes dos tributos legais, sem suas Igrejas sugarem os erários públicos; os evangélicos brasileiros disseminadores de expressiva corrente de escolas e obras sociais, por seus esforços e às suas expensas mantidas; os evangélicos brasileiros que se constituem, por repelirem os vícios corruptores das massas como a jogatina, na maior força moral do Brasil; os evangélicos brasileiros, conquanto repudiem as atitudes e as palavras de João Paulo II alusivas ao ambicionado “apóstolo do Brasil”, reconhecem do “padre” José de Anchieta, como inolvidável e irrecusável ação, o suplício de um seu irmão na fé evangélica.

Sem aplaudi-lo por essa criminosa ação, admitem a sua presença inquisitorial na vida heróica do verdadeiro santo JEAN JACQUES LE BALLEUR, o João Bollés, pelas próprias mãos de Anchieta, em 1567, enforcado no Rio de Janeiro.

João Bollés, mártir do verdugo Anchieta, é exemplo luminoso de ousadia no ministério de semear a Palavra de Deus e de indobrável fidelidade ao nosso Senhor Jesus Cristo.

A “beatificação” do carrasco e os pronunciamentos de João Paulo II sobre Anchieta impulsionam-nos a divulgar, não só o nome de Jean Jacques le Balleur, mas, acima de tudo, o seu vibrante testemunho de heróica lealdade à Causa do Evangelho.

Estas poucas páginas não querem enaltecer um simples mortal. Anelam glorificar o Senhor da Vida por haver recolhido a de Bollés quando a corda do algoz lhe estrangulou a garganta.

Se a língua de Bollés emudeceu pelas mãos assassinas de Anchieta, seu exemplo, agora memorado por estes capítulos, há de estimular a todos os evangélicos brasileiros a exaltar pela palavra e pela conduta a magnífica e insilenciável VERDADE INTEGRAL DO EVANGELHO.

São Paulo, 22 de janeiro de 1981

Dr. Aníbal Pereira dos Reis (ex-padre)

Sua Identidade e seu Ideal

Não importa apresentar-se ele perante a História destituído de origem genealógica. Nas Sagradas Escrituras encontro destacados personagens em idêntica situação. Vem-me agora a lembrança Melquisedeque, “sem pai, sem mãe, sem genealogia, não tendo princípio de dias…” (Hebreus 7.3). E também Elias, o insigne profeta das páginas dos livros de Reis, que, de tão eminente atuação, apesar de nada haver deixado escrito, consubstanciou a Profecia do Velho Testamento representando-a no Monte da Transfiguração (Mateus 17.4), Elias é apresentado simplesmente como “o tesbita que habitava em Gileade” (1º Reis 17.1).

Ignoramos os seus antepassados. Conhecemos contudo a sua personalidade avultada entre os servos de Deus. Personalidade enriquecida de notável cabedal de conhecimentos, exornada da intrépida coragem, revestida de têmpera de herói na sustentação inquebrantável dos Princípios Bíblicos, dotada de constante intrepidez no semear a Palavra de Deus.

Seu nome: JEAN JACQUES LE BALLEUR.

Francês de nascimento, na França cresceu, viveu na mocidade, estudou e serviu a Deus. Estudou para melhor servir ao Evangelho e não por afagar inconscientes ideais de projeção social ou de riquezas materiais.

A mentalidade também nos meios evangélicos dos nossos dias é por completo oposta e não confere com os padrões estabelecidos por Jesus Cristo. Somos os antípodas dos heróis da Bíblia que a tudo renunciavam por servir, em pobreza e humildade, a Deus. O exemplo de Jean Jacques le Balleur nos desassossega, como nos incomoda o desprendimento de Moisés que escolheu “antes ser maltratado com o povo de Deus” e ter “por maiores riquezas o vitupério de Cristo do que os tesouros do Egito” (Hebreus 13.25-16).

Pergunte-se à senhora evangélica como lhe vai o filho. A resposta da mãe materializada surge vaidosa: “Ah, ele vai muito bem! Deus o tem abençoado muito. Está num ótimo emprego. Com bom salário. E agora constrói casa de estilo moderno. Comprou amplo apartamento em bairro grã-fino. Seu automóvel é luxuoso. Ele não pode mais ficar sem carro… Bênçãos de Deus!”

Se o filho enferma, é provado por Deus. A doença não é bênção. Se ganha pouco, é preciso orar a Deus que lhe melhore os salários. Se estuda, é por granjear mais elevada posição social, resultante dos bens materiais em maior quantidade obtidos.

Jean Jacques le Balleur enriqueceu sua personalidade com muitos conhecimentos para melhor servir a Deus. E servi-lo em humildade e renúncia do conforto da terra. Por isso foi abençoado. Abençoado até à perseguição. Até ao martírio.

A França do seu Tempo

Governava-a a autoritária e cruel Rainha Catarina. Como manipuladora prepotente da política francesa e italiana com enorme influência sobre a Espanha, Portugal, Alemanha e outros países europeus, bem como sobre o papado romano, sobressaía a Família dos Médicis à qual pertencia a Rainha sanguinária.

Aconselhada pelo seu mentor, o ferocíssimo cardeal de Lorena, Catarina se conduzia no trato para com os evangélicos e protestantes qual Jezabel para com os profetas de Deus.

Em 1534 ascendera ao trono papal o italiano florentino Júlio, do clã familial dos Médicis e tio da Rainha da França.

O “papa”, que adotara o apelido de Clemente VII, de clemente nada possuía. Ao contrário, votava ódio de extermínio aos protestantes, instigando sua crudelíssima sobrinha a trucidá-los no objetivo de, por completo, removê-los do território francês. Deveriam eles, os protestantes, incitava o soberano pontífice, “ser exterminados e os menos criminosos ser lançados na prisão, onde seriam obrigados a fazer uma perpétua penitência com o pão da dor e a água da tristeza”.1

No propósito de aniquilamento rápido de heresia, criaram-se, sob inspiração do clero, “ligas” impulsionadas de inexcedível violência, cujos membros, católicos fervorosos, dispunham de carta branca para massacrar os “hereges”, sendo-lhes concedidas indulgências especiais em troca de cada protestante trucidado.

Os “papas” Paulo IV e Pio IV, imediatos sucessores de Clemente VII, em sua trilha macabra de sangue rivalizaram-se em sanha de ódio aos “hereges”. Pio V seguiu-lhes o programa de tirania e, em carta ao Rei Carlos IX, sucessor de Catarina na coroa da França, aconselhou a ensurdecer-se a todas as súplicas e a sufocar as raízes da “heresia” até as últimas fibras.2 E assinalava o pontífice: “O melhor holocausto

para Deus é o sangue dos inimigos da religião católica!”.3

Nesse cenário de vindita aos protestantes surgira o notável Almirante francês GASPAR DE COLIGNY. Seus serviços de inestimável valor à pátria credenciaram-lhe o respeito público. A vivência da fidelidade inflexível e constante às convicções evangélicas atraíra a cólera dos potentados do seu país. Escureceram-se-lhe os méritos advenientes de seus destacados feitos em prol da pátria.

Em defluência de seus princípios religiosos evangélicos, adjetivara-o o “papa” Pio V de “homem detestável, infame, execrável, se até merecia o nome de homem”.4 E, instigado pelo pontífice católico, o Parlamento pôs, em 1569, a sua cabeça a preço.

Em irreprimível ritmo acelerado, recrudescia o ódio contra os protestantes em rumo de um trágico desfecho. O Cardeal de Lorena, com a aprovação e bênçãos pontifícias de Gregório XIII engendrou o mais horrível banho de sangue por motivos religiosos em toda a História da França ou de qualquer nação do mundo. Consumou-se o projeto assassino aos 24 de agosto de 1572, a inqualificável NOITE DE SÃO BARTOLOMEU, sendo, nesse macabro festival de sangue, morto o impertérrito Coligny, mártir do Evangelho e honra de sua Pátria.

Como troféu da bárbara carnificina, a cabeça de Coligny fora remetida ao “sumo pontífice” Gregório XIII.5 E o “santo padre”, festivo, editou um jubileu enviando à Europa inteira, “a fim de que os povos católicos se regozijassem com o seu chefe por este magnífico holocausto oferecido ao papa pelo Rei da França”.6

Eis o cenário da vida de Jean Jacques le Balleur ao tempo de sua mocidade e começo da maturidade.

Formado na escola da perseguição, preparara-lhe Deus o coração para servi-lo como Ministro de Sua Palavra.

Contemporâneo de João Calvino (1509-1564), o notável teólogo da Reforma, participou le Balleur da denominação dos Huguenotes, de teologia calvinista, e, em suas atividades de Pregador do Evangelho, soube honrar o Nome Sagrado de Jesus Cristo e os princípios-colunas das Escrituras enaltecidos no pensamento teológico de Calvino, o homem de raciocínio arguto e penetrante, que, em poucos anos de existência nesta terra, apenas 55, levou uma vida de inexcedível intensidade intelectual com uma produção teológica de notável valor insuperável.

Os grandes homens, aliás, timbram pela sua luminosa presença nos decisivos momentos de trágicos combates. As fases de acomodação e passividade sibarita só produzem as nojentas lesmas e os acomodatícios moluscos que se agarram quais parasitas às sinecuras da sociedade descomprometida com a Verdade e a Decência. Jean Jacques le Balleur, contudo, soube, pela sua conduta, dignificar a escola calvinista que o formara para o Evangelho!

A Bênção da Perseguição

“Desde quando o sofrimento é bênção?”, questionarão os comodistas.

E se não fosse realmente bênção nosso Senhor Jesus Cristo não o teria imposto como indispensável condição de Seu discipulado: “Se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, e siga-Me” (Mateus 16.24), elucidando, outrossim, o motivo de semelhante cláusula: “Quem não toma a sua cruz e não segue após Mim, não é digno de Mim” (Mateus 10.38).

Bênção de inestimável preço é o sofrer a se contribuir também fonte de bem-aventurança: “Bem-aventurados os que choram… Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça…” (Mateus 5.4,10).

Assistido foi de toda a razão, por conseguinte, Paulo apóstolo quando concitou: “Gloriemo-nos nas tribulações” (Romanos 5.3).

E de todos os sofrimentos o de maior motivo de galardões é o das perseguições: “Bem-aventurados sois vós”, propõe Jesus Cristo, “quando vos injuriarem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por Minha causa. Alegrai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; porque assim perseguiram os profetas que foram antes de vós” (Mateus 5.11-12) e “Bem-aventurados sereis quando os homens vos odiarem, e quando vos expulsarem da sua companhia, e vos injuriarem, e rejeitarem o vosso nome como indigno, por causa do Filho do Homem. Regozijai-vos nesse dia e exultai, porque assim faziam os seus pais aos profetas” (Lucas 6.22-23).

Pedro entendeu perfeitamente o alcance dessa proclamação de Jesus e pôde assinalar: “Se, pelo Nome de Cristo sois vituperados, bem-aventurados sois, porque sobre vós repousa o Espírito da Glória, o Espírito de Deus” (1ª Pedro 4.14). Por isso, se o irmão “padece como cristão, não se envergonhe, antes glorifique a Deus neste Nome” (1ª Pedro 4.16).

À fidelidade do discípulo vinculam-se inerentes vicissitudes. Nada a se estranhar! Coloca-se, aliás, Jesus Cristo como paradigma: “Se o mundo vos aborrece, sabei que, primeiro do que a vós, Me aborreceu a Mim. Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; mas, porque não sois do mundo, antes Eu vos escolhi do mundo, por isso é que o mundo vos odeia. Lembrai-vos que Eu vos disse: Não é o servo maior do que o seu senhor. Se a Mim Me perseguiram, também vos perseguirão a vós” (João 15.18-20).

Recrudescerão as perseguições na proporção do evoluir do tempo: “Vem mesmo a hora em que qualquer que vos matar”, disse ainda Jesus, “cuidará fazer um serviço a Deus” (João 16.2).

Os sofrimentos das perseguições, outrossim, constituem-se no teste, no critério de avaliação da nossa fidelidade ao Senhor, consoante a escritura do apóstolo: “E também todos os que piamente querem viver em Cristo Jesus padecerão perseguições” (2ª Timóteo 3.12).

Ainda mais! As perseguições são o elemento propulsor da difusão do Evangelho.

À falta delas os discípulos se acomodam… Suavizam-se… E o Evangelho que pregam torna-se um evangelho distorcido e acomodatício. Um evangelho da convivência. Um evangelho pasteurizado, miniaturizado… De matéria plástica… Amorfo! Um evangelho comprometido com a filosofia epicurista do mundo. E seus pregadores querem encontrar fator de credibilidade a justificar sua consciência amaricada e pusilânime no carrão último modelo, na roupa do recente figurino, na casa empetecada dos adereços do comunismo, na tergiversação diante dos desmandos da sociedade sibarita, no eufemismo sonegador da Verdade, nos programas evangélicos de tevê, autênticos “shows” nos moldes mundanos…

À falta das perseguições, o evangelismo se torna somente de fachada… Ávido de estatísticas, aficionado dos números… Um evangelismo tipo frente-única: coberto na frente e descoberto nas costas, senão quando sem qualquer respaldo da Verdade na vanguarda e na retaguarda.

Abro a Bíblia! Em Atos dos Apóstolos. Quero ver o resultado das perseguições naqueles primórdios do Cristianismo.

Aos apóstolos Jesus prometera e determinara: “Recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis Minhas testemunhas, tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra” (Atos 1.8).

O hebreu era exclusivista. Trancado no seu estrito nacionalismo. Nem com os samaritanos, povo mestiço, se comunicava (João 4.9).

Por certo a Palavra de Jesus soara mal aos ouvidos dos discípulos. Onde já se viu ir a Samaria? E aos confins da terra dos gentios?

Sobreveio-lhes no dia do Pentecostes o batismo no Espírito Santo a capacitá-los e a provisionar-lhes a alma para a ingente tarefa. A operação: atingir com o Evangelho a Samaria e todos os quadrantes da terra excediam sua capacidade humana e natural de israelita.

Sucedem-se os prodígios. Na porta especiosa do Templo, à palavra de Pedro e João, o Senhor concede caminhar a um homem coxo de nascença. Pedro, incentivado pelo portento, prega o Evangelho ao povo atônito e, chamado a dar contas perante o tribunal do Sinédrio, fala com ousadia acerca da Ressurreição de Jesus. Ocorre a morte prodigiosa de Ananias e Safira. Prodigiosa porque os sinais de Deus se manifestam também como juízo aos homens, à semelhança dos episódios do tempo da libertação dos ergástulos do Egito. Detidos os apóstolos, um anjo, à noite, abre-lhes as portas do cárcere e, chamados à presença dos sinedritas, Pedro fala-lhes outra vez da Ressurreição de Jesus e da necessidade de arrependimento dos pecados e de fé no Senhor.

Os prodígios espetaculares abalam a opinião pública e as reservas dos juízes sinedritas. Os apóstolos, porém, permanecem em Jerusalém. Cinco ou seis anos se passaram e nem se recordam atingir Samaria extrapolando seu Ministério em cumprimento do Grande Mandato do Mestre.

Sobrestavam na calma de Jerusalém oriunda do conceito granjeado pelos milagres perante o povo e as autoridades em decorrência dos milagres.

Sobressaltea-lhes a perseguição. Entra matando Estêvão. Sobressaltados dispersam-se os discípulos pelas regiões da Judéia e da Samaria. Se não fosse a violência da perseguição, o Evangelho continuaria circunscrito aos limites de Jerusalém.

Todos são acossados e se dispersam. “Todos, exceto os apóstolos”, sublinha Atos 8.1. Sobrestiveram em Jerusalém os apóstolos teimosos.

Filipe atinge a Samaria. Filipe, um diácono, um servidor das mesas, sozinho, desce a Samaria, onde sua particular iniciativa move os corações à conversão. Informados da ocorrência, os apóstolos, somente após o trabalho de Filipe, enviam Pedro e João a confirmar o Ministério de surpreendentes resultados do diácono. Embora de passagem evangelizem muitas aldeias dos samaritanos, retornam para Jerusalém (Atos 8.25).

Nem a manifestação do Espírito Santo sobre os samaritanos recebido por imposição de suas mãos os prende à Samaria. Sua obsessão é a Capital de Judá, o centro religioso da Nação.

Tocado pelo Poder do Evangelho quando viajava de Jerusalém a Damasco, Paulo não volve a Jerusalém. Em Damasco, onde, segundo seus projetos, assolaria a Igreja de Deus, o novo convertido, prega a Mensagem Salvadora.

Retornando posteriormente a Jerusalém, é alvo da perseguição da desconfiança dos próprios discípulos, o que o estimula ainda à ousadia. Procuram-no matar os judeus. Escorraçado pela violência, segue, via Cesareia, para Tarso, sua terra natal.

Entrementes multiplicavam-se as Igrejas em toda a Judéia, Galiléia e Samaria.

O ambiente de Jerusalém tornara-se desconfortável para os apóstolos.

Por toda a parte viajava Pedro. Em Jope, um sonho sobrenatural leva-o a Cesaréia a contatar com os gentios. Alastra-se o Evangelho. Os bárbaros são por Ele alcançados. Convertem-se Cornélio e todos de sua casa.

A mentalidade preconceituosa, no entanto, permanecia nos discípulos hebreus, pois anunciavam a Palavra somente aos judeus (Atos 11.19). Pela instrumentalidade de alguns cíprios e cirenenses, estabelece-se o Evangelho em Antioquia, a seguir, visitada por Barnabé, o qual vai a Tarso buscar Paulo.

Enquanto Paulo e Barnabé se dedicam em Antioquia, outra vez recrudesce a violência em Jerusalém. Sob a truculência de Herodes, é assassinado à espada o apóstolo Tiago, irmão de João. Pedro, outrossim, é visado para se lhe seguir no sacrifício. Encarcerado, livra-o da sanha de Herodes um anjo.

Posto em liberdade, “partiu para outro lugar”, assinala Atos 12.17. Que lugar? Não o sabemos! Certamente outro lugar fora do arbítrio de Herodes. Um lugar estrangeiro.

Vemo-lo mais tarde de novo em Jerusalém a participar daquela assembléia que tratou da absoluta dispensa da circuncisão e da Lei de Moisés para a salvação do pecador, também gentio.

De certo, entre o assassínio do apóstolo Tiago e esta reunião, os apóstolos sobreviventes não permaneceram em Jerusalém, porquanto assumiu as funções de pastor da Igreja nessa cidade, Tiago, irmão do Senhor.

Fora de Jerusalém, os apóstolos se espalham por terras distantes. Pedro radica-se em Babilônia (1ª Pedro 5.13) e João na Ásia (Apocalipse 1.4), sendo aprisionado na Ilha de Patmos (Apocalipse 1.9). E o segredo do sucesso do Ministério de Paulo Apóstolo? Está nas perseguições que o impeliam de um lugar para outro!

Chegava ele numa localidade. Pregava o Evangelho. Almas se convertiam. Organizava-se a Igreja. Sobrevinha a violência. Acossava o apóstolo. Dirigia-se ele para outra localidade, onde recomeçava tudo…

Em chegando às cidades, procurava logo a sinagoga. Anunciava Jesus Cristo aos Judeus. Contradiziam-no. Recalcitravam, blasfemavam contra o Salvador. E Paulo, visto que os judeus rejeitavam a Palavra de Deus, tornava-se para os gentios (Atos 13.46). A perseguição dos seus patrícios movia-o em rumo da gentilidade.

Assim foi em Antioquia da Pisídia. Em Icônio. Em Listra, onde os judeus da Antioquia e de Icônio, conluiados, incitaram a multidão a apedrejar o apóstolo. Assim foi em Filipos, em Tessalônica, em Atenas, onde os filósofos o desprezaram. Sempre as perseguições a empurrá-lo para outros lugares…

Assim foi em Corinto, em Éfeso, na Grécia…

Em Jerusalém é preso. Réu de muitas denúncias, é transferido por medida de segurança para Cesaréia. Encarcerado e algemado, prega a Palavra do Evangelho às mais altas autoridades religiosas e civis do seu povo.

De Cesareia, acusado como se fora “uma peste e promotor de sediações entre todos os judeus”, é levado para Roma. Roma, a Capital do mundo, atingida pelo Evangelho por intermédio de Paulo, preso e sujeito a ser sentenciado à pena de morte. Roma de crentes piedosos e sofredores à imitação do apóstolo; crentes cuja fé se anunciara em todo o mundo (Romanos 1.8).

Tantos frutos de seus padecimentos que, de Roma pôde escrever aos filipenses, “em nada atemorizados pelos adversários”, enviando-lhes inclusive saudações dos do palácio imperial de César: “E quero, irmãos, que saibais que as coisas que me aconteceram têm antes contribuído para o progresso do Evangelho; de modo que se tem tornado manifesto a toda a guarda pretoriana e a todos os demais, que é por Cristo que estou em prisões; também a maior parte dos irmãos no Senhor, animados pelas minhas prisões, são muito mais corajosos para falar sem temor a Palavra de Deus” (Filipenses 1.12-14).

É o sofrimento pela Causa do Mestre a conduzir Paulo por tantas regiões, até Roma, e a incentivar todos no disseminar a Palavra.

Em Rumo do Brasil

As notícias sobre as incomuns possibilidades do Brasil excitaram a cobiça de NICOLAU DURAND VILLEGAIGNON, cavalheiro da Ordem de Malta, “mui zeloso de guardar a fé católica”. Sua condição de sobrinho do famigerado Cardeal de Lorena, mentor da Rainha Catarina e do Rei Carlos IX, fazia-o desembaraçado e assíduo nos corredores dos palácios da França. Transmitira-lhe o tio o vírus do rancor doentio aos huguenotes calvinistas. Presenciara toda a conspiração do purpurado contra eles.

Exímio discípulo de tão repelente mestre, sobressaiu-lhe em perfídia ao engendrar um diabólico plano. Com o aval da influência do seu tio, o Cardeal de Lorena, aguçando mirabolantes sonhos na cabeça do monarca, propôs a Carlos IX conquistar ao Brasil larga faixa de território a alongar seus domínios em terras americanas sob a denominação de França Antártica. O ambicioso Rei anuiu-lhe à proposta e favoreceu-lhe navios, artilharia, munições, provisões de boca e dinheiro.

Provido de todo o material indispensável e de meios de transporte marítimo, faltava-lhe, contudo, o pessoal capaz de semelhante arriscada empresa.

Ardiloso e dissimulado, homem de duas caras, ambas lambuzadas de pieguice, achega-se ao Almirante Coligny e revela-lhe sua nova postura religiosa. Relata-lhe sua conversão ao Evangelho, minuciando-lhe lances inventados por seus miolos fermentados por tanta maldade.

Preparado o terreno, manifesta a Coligny seu plano de levar para o Brasil huguenotes perseguidos e dispostos a acompanhá-lo. Na nova terra desfruiriam de liberdade religiosa e oportunidade para pregar aos índios e portugueses, caso desejassem.

De grande boa-fé e sem se aperceber da arriosca, o Almirante comunica o programa a Calvino e a alguns outros.

João Calvino, sempre acostumado a viver nas altas esferas do pensamento e da pesquisa intelectual e a usufruir da meditação das Sagradas Escrituras, não pôde perceber a armadilha.

E na expedição do fervoroso católico Villegaignon, travestido de evangélico, aporta na Guanabara, aos 10 de novembro de 1555, o pastor Jean Jacques le Balleur, acompanhado de muitos irmãos na fé. Sonhavam encontrar no Brasil aquela liberdade religiosa que a França não lhes podia dar, liberdade que lhes possibilitasse viver em paz e em paz anunciar as sublimes verdades da Santa Palavra de Deus.

A Triste Realidade da Traição

Em sendo o cinismo a sua norma natural de comportamento, Villegaignon, aqui no Brasil, encastelou-se na ilha que hoje tem o seu nome. Nela instalado, cercou-a de fortificações e muralhas. Isolados seus companheiros de armada, subjugou-os à sua exacerbada autoridade.

Esgotados os estoques de víveres, ocorreram os resultados da miséria em graves divergências da parte dos seus comandados, para cuja repressão exercia feroz arbítrio.

As acerbas e justas críticas surgiam dos ministros huguenotes, as pessoas mais esclarecidas da esquadra.

Uma discussão precipitou os acontecimentos. Em 21 de março de 1557 celebrou-se, sob a presidência de Jean Jacques le Balleur, pela primeira vez no Brasil, a Ceia do Senhor consoante os sagrados registros.

O episódio acirrou as disputas no tocante às doutrinas divergentes entre calvinistas e católicos. Villegaignon, católico fervoroso, defendia a transubstanciação e a presença real e física de Cristo nas espécies sacramentais. O ex-frade dominicano João Cointac, de idêntico estofo moral do chefe da esquadra, que posteriormente retornou ao romanismo, Cointac, no fragor das disputas, descambou para o terreno das agressões pessoais e, juntando a mágoa por causa dos desmandos do chefe, assacou insultos contra a pessoa de Villegaignon. Pretendendo este reabilitar-se no conceito dos seus comandados, recorreu ao extremo do arbítrio. Sentenciou à morte Cointac e os pastores calvinistas.

No intento de se desvencilhar deles, recorrendo aos postulados da “Santa Inquisição”, assassinou os pastores Jean du Bourdell, Mathieu Verneuil e Pierre Bordoun.

Cointac, ao fugir, logrou conservar-se vivo. Os outros, como Jean Jacques le Balleur, cognominado pelos brasileiros de JOÃO BOLLÉS, certos de serem igualmente atingidos pela truculência do desalmado Villegaignon, embarcaram nas canoas dos tamoios arregimentados pelo chefe do forte, que iam a São Vicente guerrear os colonos e os guaianases. Em chegando a Bertioga, embrenharam-se floresta a dentro e se refugiaram em São Vicente a ver se obtinham dos lusitanos melhor acolhida.

O comandante fracassado multiplicava a tirania no desejo de reprimir a debandada.

Entrementes, chegaram-lhe da França novos recursos em provisões e gente.

Naqueles tempos, desprovidos dos atuais meios rápidos de comunicação, as notícias demoravam muito para chegar ao seu destino. E muitas vezes chegavam deturpadas ao sabor dos interessados.

Os relatórios de Villegainon a Calvino, preparados ao talante do verdugo, encobriam a realidade da situação. Em conseqüência, outra leva de huguenotes enviados por Calvino, chegou ao Rio de Janeiro, a França Antártica, sob o comando de Bois-le-Comte, sobrinho de Villegaignon.

Pouco lhe adiantaram os parcos reforços. Suas atitudes repressivas indispuseram-no até com seu sobrinho. Nesta conjuntura de fracasso total retornou à França, a fim de, ao lado do Rei Carlos IX, prosseguir a perseguição contra os calvinistas.

No Brasil, a sustentar a miragem de uma França Antártica, permaneceu Bois-le-Comte, disposto a se aproximar dos indígenas e a permitir facilidades com eles também por parte de seus comandados. Em meu livro “ANCHIETA: SANTO OU CARRASCO?” prossigo o relato das atividades dos franceses no Rio de Janeiro e a expulsão completa deles por Estácio de Sá, sob orientações do seu orientador bélico “padre” José de Anchieta.

Intrépido Missionário

Ministro evangélico, acossado pelas perseguições da “Santa Inquisição” em sua pátria, apesar das vicissitudes de foragido da truculência de Villegaignon, longe de se entregar ao desânimo, le Balleur dedicou-se a evangelizar lusitanos, mamelucos e silvícolas de S. Vicente, o seu novo refúgio.

É a intrepidez apanágio dos discípulos do Senhor! Expulsos duma localidade, persistem evangelizar em outro lugar, embora contem sempre com o risco de nova expulsão. Jamais se acomodam!

Comparecem Pedro e João perante o Sinédrio por terem sido detidos após a cura do paralítico postado junto à porta especiosa do Templo, ao ensejo de que, anunciaram em Jesus Cristo a remissão dos pecados. Tentaram os juízes uma solução conciliatória entre as partes. Se não falasse mais em o Nome de Jesus, usufruiriam ampla liberdade.

“Mas Pedro e João, respondendo-lhes, disseram: Julgais vós se é justo diante de Deus ouvir-vos antes a vós do que a Deus; pois nós não podemos deixar de falar das coisas que temos visto e ouvido” (Atos 4.19-20).

Ao invés de se intimidarem os discípulos, aquelas ameaças acicatavam-nos a falar com intrepidez a Palavra. (Atos 4.29).

Que tempos são estes nossos! Amaciados e abrandados os evangélicos, temerosos de danos materiais, se encastelam na cínica covardia por admitirem excepcionais oportunidades nos oceanos ecumênicos. E, aos corajosos pregadores do Evangelho, que afrontam a mentira religiosa, cobrem de sacarmos, de vilipêndio e motejos: “superado”, “radical”, “fanático”…

Se João e Pedro nos dias atuais, volvendo à terra, repetissem sua ousadia, os evangélicos amancebados com o cinismo ecumênico cobririam-nos de vexatórios apodos. E João Bollés teria a inaudita amargura de se ver sozinho… Barrar-se-iam os púlpitos a Jesus Cristo e a Paulo…

Queria ver Jesus Cristo pregando nessas “igrejas” de almofadinhas, cujos “pastores” mercenários buscam prevalecer o fausto, a “pose”, o eufemismo, a tergiversação como fatores de credibilidade. Jamais lhe cederiam o púlpito! E seriam eles os primeiros a vaiá-lo!!!

Bollés, de peregrinos dotes intelectuais, ardia no anelo de pregar a Palavra de Deus!

Reconhecem-lhe o valor intelectual os próprios escritores romanistas, como o maranhense João Francisco Lisboa: “Homem instruído e versado nas Sagradas Escrituras… conhecia perfeitamente o latim, o grego e hebraico”.

Seus atributos intelectuais são inocultáveis para o próprio Anchieta: “Homem douto nas letras latinas, gregas e hebraicas e mui lido na Sagrada Escritura”. E também para o primeiro biógrafo de Anchieta, o escritor jesuíta Pero Rodrigues: “Era ele bom humanista latino, grego e tocava de hebraico; muito visto na Sagrada Escritura…”.

(Esse documentário aqui mencionado se encontra por extenso citado com todas as indicações para se averiguar de legitimidade, em meu livro “ANCHIETA: SANTO OU CARRASCO?”, cuja leitura de todo se recomenda).

Realçamos na palavra imparcial dos clérigos essas qualidades de Bollés pelo nosso desejo de bem informar sobre o valor pessoal daqueles semeadores da genuína Palavra de Deus nestes Brasis. Não eram eles “gentinha”, consoante propalam os sacerdotes católicos.

De altas prendas da mente, distinguiam-no, sobretudo, a “paixão” pelas almas perdidas e o anelo por, disseminando a Palavra de Deus, desmascarar a mentira religiosa.

Apesar da tesoura do clero loiolista, ávida de retirar dos escritos de Anchieta e dos escritos de outros sobre ele, tudo quanto poderia deslustrar a fama de “santo” do considerado “apóstolo do Brasil”, não logrou êxito pleno por lhe ser impossível arrancar tudo como desejava. Os biógrafos do “taumaturgo do Novo Mundo” se vêem vencidos no seu afã de encobrir a operosidade evangelística de Bollés.

Anchieta não consegue esconder: “… e uma fácil e alegre conversação que tanto fazia espantar os homens para o estimarem”.

A atuação missionária alarmou o “padre” Luiz da Grã, superior da casa inaciana em São Vicente. Charles Sainte-Foy, o biógrafo francês de Anchieta, afirma: “De grande loquacidade, habilíssimo na arte de ganhar corações e de mais a mais com uma eloquência insinuantíssima e tanto mais funesta, quanto parecia menos artificiosa, esse homem perigoso, que de herege passará a heresiarca, ia semeando os seus erros pelas populações; primeiro à puridade e sorrateiramente, logo às escâncaras declamando em público contra as santas imagens, autoridade da Igreja e mais dogmas da religião católica” (citado em meu livro “ANCHIETA: SANTO OU CARRASCO?”).

Em carta de 1º de junho de 1560, que o “papa” João Paulo II mencionou em seu discurso sobre Anchieta quando passou por São Paulo em 1980, a Anchieta foi impossível deixar de reconhecer os frutos da atuação missionária de Bollés. Conquanto se expressa com termos deprimentes, legou-nos as seguintes preciosas informações: “E o que é mais, já a pestilência pouco a pouco grassava nos corações incautos da imperita multidão que sem dúvida muitos se infeccionaram da peçonha mortal sem haver a menor resistência”.

Sua Prisão

Entre os “corações incautos da imperita multidão”, com absoluta certeza, incluía-se o “padre” Luiz da Grã, porquanto Anchieta, em sua carta de 1º de Junho de 1560, admite a desmoralização desse da Grã perante seus próprios fiéis por verem-no derrotado em suas polêmicas com Bollés. Desprovido da força do argumento, como sói acontecer entre os sacerdotes, recorreu ele ao argumento da força. Denunciou seu contendor como herege!

O historiador maranhense João Francisco Lisboa, por mim citado em “ANCHIETA: SANTO OU CARRASCO?”, reconhece a imperícia de da Grã no manuseio das Sagradas Escrituras. “Como quer que (Bollés), enobrecido e rico com tantos dotes do engenho, armasse algumas disputas e controvérsias com o padre Luiz da Grã, acusou-o este de andar infeccionando as suas ovelhas com a peçonha da heresia, e com tal pretexto fê-lo prender e remeter para a Bahia, onde jazeu num cárcere oito anos”, de 1559 a 1567, quando foi enforcado por Anchieta.

Nessa ocasião fugiram dois detentos e supondo o ouvidor-geral o risco de idêntica aventura por parte do pastor calvinista Bollés, mandou agrilhoá-lo em ferros na infecta masmorra.

E, por persistir, apesar de encarcerado e algemado, em pregar o Evangelho, por três vezes tentaram a flechadas contra sua vida.

Sua fidelidade a Jesus Cristo e à Sã Doutrina da Palavra de Deus moveu-o a arrostar todas as agruras da masmorra sem mesmo esmorecer de anunciar a Verdade do Evangelho aos companheiros de prisão, aos soldados e às visitas que apareciam, após as peripécias com a carceragem.

Condenado a morrer queimado, recorreu da sentença ao Cardeal Henrique de Lisboa.

Já naqueles tempos a lentidão da Justiça se tornara proverbial. E antes de ser julgado o recurso, Mem de Sá, instigado pelos jesuítas, recambiou-o para o Rio de Janeiro, pois deveria morrer onde principiara o exercício do seu ministério aqui no Brasil.

A Participação Assassina de Anchieta

Embora teimassem os sacerdotes em demovê-lo de suas “heresias”, Bollés, na Bahia, permaneceu inflexível nas suas convicções e em anunciar, com ousadia, o Evangelho aos circunstantes.

Em chegando ao Rio de Janeiro, incumbiram Anchieta, há pouco ordenado sacerdote e como neo-sacerdote com todo o fogo inquisitorial, de dissuadir o pastor de suas idéias religiosas.

Se nas masmorras baianas, sofrendo atentados, sua fé permaneceu inabalável perante os assédios da apostasia, não seria o “padre” José capaz de remover-lhe da consciência a decisão de fidelidade à Palavra de Deus.

O clero tem muito disso! Aproxima-se o sacerdote do “herege” moribundo e, sem qualquer testemunha, passa a divulgar o boato de sua “conversão” ao catolicismo. Ao tempo de “padre”, em Pernambuco, assisti a um desses fatos. Notificado da grave enfermidade do pastor Jerônimo Gueiros, um dos luminares do Presbiterianismo Brasileiro, foi o arcebispo romanista, por mim acompanhado, visitá-lo. Em retornando ao palácio arquiepiscopal, narrava a lorota de que Jerônimo Gueiros, arrependera-se das “heresias” professadas em toda sua vida, abjurara-as e com o prelado rezara a “Ave-Maria”, suplicando valimento da “senhora, refúgio dos pecadores”.

De modo semelhante fizeram com Rui Barbosa. Sem qualquer fundamento, informaram ao povo crédulo haver ele aceitado os “últimos sacramentos”.

Houve em nosso País um sacerdote, Leopoldo Aires, que se converteu ao Evangelho e entre os evangélicos realizou excelente ministério. Quando gravemente enfermo, recebeu visita de vários clérigos. Educado e fino, jamais lhe passou pela cabeça recusar a visita de quem quer que fosse. Após sua morte, espalharam os “padres” o seu “arrependimento” e seu retorno ao catolicismo. Suas demonstrações de “arrependimento” foram tamanhas que morreu “com odor de santidade”, boateiam os clérigos.

Em 1975 sofri grave acidente automobilístico que me levou, por muitos dias, a um hospital. Dentre as muitas pessoas que me visitaram, esteve junto de meu leito um sacerdote. Medidas foram tomadas no sentido de não permanecer sozinho ao meu lado o clérigo. A prudência nos sugeriu medidas consentâneas para que, na eventualidade de minha morte, não divulgasse ele notícias de meu “arrependimento” e minha volta ao seio da “madre”.

Naqueles tempos de espesso obscurantismo religioso, a lei fazia um sacerdote acompanhar o réu ao cadafalso. No caso de Bollés, Anchieta foi quem o seguiu.

As últimas instâncias para abjurar o Calvinismo e refugiar-se no romanismo, como todas as investidas anteriores, caíram no vazio. A vítima do ódio clerical, impertérrita, permaneceu em sua lealdade a Jesus Cristo!

João Francisco de Lisboa reconhece: “Com ânimo firme e resoluto, perseverou na sua fé, e afrontou a morte”.

Retardou o algoz o desfecho fatal. Dizem que por imperícia, mas na verdade por compaixão do inocente, tendo sido por ele já instruído acerca do Evangelho. O fato é que Anchieta, de espírito odiento, antecipou-se ao carrasco e enforcou Bollés, um dos mártires evangélicos do Brasil.

“E porque o carrasco, talvez condoído, sem coragem de apressar a morte da vítima inocente – ele mesmo, o santo José de Anchieta”, no dizer do católico Arthur Heulhard, “acaba de matá-lo, dizendo, ufano, ao carrasco acovardado: Eis aí como se mata um homem! VOI LA COMME IL FAUT FAIRE.7

E Anchieta se tornou, além de responsável por tantos crimes perpetrados sobre tudo contra indígenas indefesos, culpado também da torpíssima ação de ser algoz de um SANTO.

Bollés, o Santo

Não na conceituação romanista, elevado aos altares da feitiçaria.

SANTO, sim, na autêntica avaliação bíblica!

Com efeito, ele não é um “santo” na conceituação católica elevado aos altares por decreto de um homem intitulado “papa”. Não!

Um homem, por mais importante, jamais pode introduzir alguém nos céus ou entronizar quem quer que seja na Corte Celestial.

Consoante estapafúrdias exigências das leis romanistas, o candidato a “santo” deve fazer, pelo menos, três milagres extraordinários de autenticidade comprovada. Faltando os portentosos prodígios, o candidato não prova a sua almejada santidade e não pode ser canonizado “santo”.

A admitir-se o processo canonisatório do catolicismo, as pessoas consideradas pelas próprias Sagradas Escrituras como SANTAS ou JUSTAS jamais poderiam ser santas, pois nunca fizeram qualquer milagre. Cito exemplos! E de personagens de notável gabarito espiritual.

José, esposo de Maria, “era justo” (Mateus 1.19), mas nunca fez qualquer milagre. Portanto, para o catolicismo não poderia ser santo.

Zacarias e Isabel, pais de João o Batista, “eram justos diante de Deus” (Lucas 1.6), e, também, jamais fizeram qualquer prodígio. Nesse caso, para o romanismo estão impossibilitados de ser santos.

Simeão, “homem justo e temente a Deus… e o Espírito Santo estava sobre ele” (Lucas 2.25), nenhum portento realizou. Por conseguinte, jamais incluir-se-á o seu nome entre os “santos” católicos.

E João, o Batista? Enaltecido já antes de nascer quando o anjo, ao anunciar seu nascimento, ao seu pai Zacarias, prognosticou: “Ele será grande diante do Senhor… e será cheio do Espírito Santo já desde o ventre de sua mãe” (Lucas 1.15)… João, o Batista, “profeta do Altíssimo” na preparação “dos caminhos do Senhor” (Lucas 1.75)… João, o Batista, que não era um frágil “caniço agitado pelo vento” e nem “um homem trajado de vestes luxuosas”… João, o Batista, “muito mais do que um profeta” (Lucas 7.24-26)… João, o Batista, exaltado por Jesus Cristo, jamais agitou a admiração das multidões com algum estupendo prodígio… Nem com um inexpressivo milagre de curar instantaneamente uma simples dor de dentes.

Para o catolicismo, nesse caso, a conclusão há de ser inexorável: João, o Batista, por não comprovar sua santidade com milagres, não pode ser canonizado “santo”.

Com efeito, onde nos anais católicos romanos o processo da canonização de José? De Zacarias? De Isabel? De Simeão? De João, o Batista? E de tantos outros personagens bíblicos, também do Velho Testamento, incluindo-se Abraão?

A “canonização” católica, que é a cerimônia oficial presidida pelo “papa” para proclamar alguém “santo”, é, por conseguinte, destituída por completo de qualquer base nas Sagradas Escrituras. A “canonização” romanista tem, sim, a sua origem no velho paganismo. Este, à sua escolha, exaltava as pessoas ao posto de semi-deuses por meio de uma solenidade chamada APOTEOSE. Mudaram os nomes, mas o fato é idêntico.

Pela “canonização” ou apoteose do antigo paganismo, o “santo” se torna intercessor dos seus devotos perante Deus e seus méritos, desde a canonização, acumulados no chamado “tesouro da igreja”, contribuem para a salvação de pecadores que a eles recorrem.

Nada disso se encontra nas Santas Escrituras. Estas, como Palavra infalível de Deus, ensinam-nos que só Jesus Cristo é Salvador. Ele é diante de Deus o Único Mediador, o Único Advogado, o Único Intercessor dos homens. Admitir outros medianeiros ou advogados ou intercessores é rebelar-se contra a Vontade de Deus, é querer anular a toda-suficiência do Sacrifício de Jesus Cristo. Significa negar Jesus Cristo, Senhor nosso.

Como há de ser santo o mártir Bollés?

Ter-se-ia ele, com prodigiosos milagres, se credenciado ao honroso posto?

Não! Conquanto sustentara-se pela Graça de Deus impertérrito na fidelidade radical (radical e inflexível até ao sangue) ao Senhor e à Sã Doutrina, jamais fez qualquer milagre. Nem após a sua execução pelo “padre” José de Anchieta perpetrada.

Bollés, contudo, é SANTO!

Santo, não canonizado por qualquer “papa” ou pela palavra de qualquer “sumo pontífice” humano!

Ele é SANTO segundo a Palavra de Deus!

Com efeito, as Sagradas Escrituras, sem qualquer canonização, declaram infalivelmente SANTO todo o pecador que, de coração arrependido, aceita pela fé evangélica, nosso Senhor Jesus Cristo como seu ÚNICO Salvador. Por esta experiência da conversão é ele regenerado, nasce de novo, ou seja, do Alto ou da Graça de Deus, purificado pelo Sangue de Jesus Cristo (1ª João 1.7), com todos os seus pecados em definitivo e em absoluto perdoados (Hebreus 10.17), esse pecador é SANTO, isto é, POSTO À PARTE ou SEPARADO do mundo, do poder de Satanás e dos grilhões do pecado, para servir a Deus.

Sem quaisquer milagres que chamem a atenção do povo, todos os pecadores que se submetem evangelicamente a nosso Senhor Jesus Cristo, são SANTOS. “Fostes justificados em Nome de Jesus Cristo e no Espírito de nosso Deus”, exclama o apóstolo em 1ª Coríntios 6.11.

Por conseguinte, todos os crentes evangélicos são santos na acepção bíblica do vocábulo (Romanos 16.2; 1ª Coríntios 1.2; 6.1-2; Efésios 3.8; 5.3; Filipenses 4.21).

Levam sua vida normal. Trabalham, comem, riem, choram, andam, dormem, sofrem como todos os homens… Tais com os santos de Jerusalém (Atos 9.13), de Colossos (Colossenses 1.2), de Corinto (1ª Coríntios 1.2), de Roma (Romanos 1.7), de Filipos (Filipenses 1.1), de Lida (Atos 9.32), de Éfeso (Efésios 1.1), da Acaia (2ª Coríntios 1.1).

São todos eles SANTOS, não por canonizá-los algum “papa”. Incluem-nos entre os SANTOS as Sagradas Escrituras porquanto, ao confiarem em Jesus Cristo como seu Único Salvador, receberam dEle Vida Eterna e, no mesmo instante, passando, da morte para a Vida, tornaram-se SANTOS, isto é, separados da perdição eterna e consagrados em definitivo à salvação no céu (João 5.24).

Jean Jacques le Balleur, o nosso Bollés, supliciado pelo carrasco “padre” José de Anchieta, é nessas condições legítimas porque bíblicas, um VERDADEIRO Santo.

SANTO, agora junto de Deus nos céus, não intercede por nós, pois o nosso exclusivo Mediador é Jesus Cristo. Seu exemplo de inquebrantável fidelidade a nosso Senhor Jesus Cristo e à Sua Palavra estimula-nos ao heroísmo da mesma fidelidade porque “na verdade, todos os que querem viver piamente em Cristo Jesus padecerão perseguições” (2ª Timóteo 3.12).

Obra publicada em formato e-book por Edições Cristãs.

Disponível em: <https://www.ebookscristaos.inf.br/_files/ugd/2930e2_6c2edace9f044be588916331d3b0466f.pdf>


NOTAS

  1. De Felice, História dos Protestantes da França, vol. I, p. 29. ↩︎
  2. César Cantú, História Universal, vol. XVI, p. 26. ↩︎
  3. De Felice, Ob. Cit., vol I, p.179. ↩︎
  4. De Felice, Ob. Cit., p. 193. ↩︎
  5. M. Lachatre, História dos Papas, vol. IV, p. 68. ↩︎
  6. M. Lachatre, Ob. Cit., vol. IV, p. 68. ↩︎
  7. ROY DEL’AMERIQUE, págs. 170-171, obra essa publicada em 1897, por ocasião das festas do tricentenário de Anchieta, em cujas páginas também classifica Villegaignon de “O Caim da América”. ↩︎

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