Por Sitri Silas Batista Lobato Siqueira

O século XVI, muitas vezes negligenciado na história batista, traz a história de duas mártires que são, principalmente no meio batista, esquecidas: Anne Askew (1521-1546) e Joana de Boucher (?-1550).

Nascida em 1521 em Lincolnshire (ironicamente a mesma região em que apareceria John Smyth anos depois), Anne Askew cresceu na mesma região, casou-se em 1536 com um católico, num casamento arranjado por seu pai. Suas visões que negavam doutrinas católicas e reformadas levaram-na ao desprezo e à separação de seu marido, que a expulsou após ela ter tido dois filhos com ele.

Ela foi para Londres, onde se tornou amiga e companheira de Joana de Boucher; ela foi presa três vezes; na primeira vez, ela conseguiu escapar; foi solta na segunda vez, mas, na terceira, fora levada para ser torturada pelos Anglicanos na famosa torre de Londres. Ela foi morta queimada na estaca por não se retratar de seus ensinos (como, por exemplo, negar a transubstanciação), sob a égide do famoso puritano Thomas Cranmer (1489-1556), arcebispo de Cantuária à época, e responsável pelos processos de “heresia”.

A ordem e modo com que se queimou Anne Askew, John Lacels, John Adams, Nicolas Belenian, com alguns do conselho estabelecido em Smithfield.

Pouco antes de morrer foi-lhe oferecido o perdão real, caso ela se retratasse de suas crenças, no que ela disse “Não cheguei aqui para negar meu Senhor e Mestre”1; uma de suas célebres frases contra a doutrina da Ceia católica e reformada da época, era “Quanto ao que vocês chamam de seu Deus, é um pedaço de pão. Veja mais uma prova disso… deixe-o ficar numa caixa por três meses e ele ficará mofado”.2

Suas crenças, e as de sua companheira, Joana de Boucher, são agora as crenças esposadas pelos batistas modernos. Ela foi torturada e quase não conseguia andar, amarrada na estaca3; o bispo Nicolas Shaxton (1485-1556) tentou lhe convencer pregando para os quatro mártires na estaca naquele dia, mas sempre que ele dizia algo contrário a Escritura ela exclamava: “Ele erra, e fala sem o livro [a Bíblia]”.4 Ela foi queimada na estaca por heresia em 16 de julho de 1546, em Smithfields, nos arredores de Londres.

Joana de Boucher, também chamada Joana de Kent, foi uma mulher que era membro da igreja Batista em Eythorne (uma das antigas igrejas Batistas inglesas)5. Nascida em um ano e local desconhecido, provavelmente vinda com os imigrantes anabatistas holandeses que fundaram a igreja, ela esteve na mesma igreja desde sua infância, como ela dizia: “Em nossa pequena reunião na silenciosa Eythorne, enquanto uma criança feliz, bebi a primeira vez a verdade”6; ela foi figura relevante em Cantuária e foi presa pela primeira vez em 1548; em 1550 foi condenada à fogueira por heresia, sob mandado do líder reformador Thomas Cranmer. Suas acusações eram a negação da transubstanciação, tal qual sua amiga e companheira Anne Askew, e a cristologia menonita (aderente à doutrina da “carne celestial de Cristo”). Mesmo durante seu interrogatório, ela não se intimidou e afirmou que “Não faz muito tempo que vocês queimaram Anne Askew por um pedaço de pão, e, mesmo assim, vocês mesmos passaram a crer e professar a mesma doutrina pela qual a queimaram. E, agora, na verdade, você me queimará por um pedaço de carne, e, no final, você também crerá nisso, quando tiver lido as Escrituras e as compreendido”.7 Uma ironia divina foi que Thomas Cranmer, responsável por sua execução, fora depois executado por Maria a Sanguinária em 1556.

Edward VI, apresentando a ordem para a execução de Joana de Bocher para o Arcebispo Cranmer.
  1. WEBB, Maria. The Fells of Swarthmoor Hall and Their Friends: With an Account of Their Ancestor, Anne Askew, the Martyr. Etc. Philadelphia: [s.ed.]: 1884, p. 25. ↩︎
  2. CROWTHER, David. Anne Askew: Martyr and Author, in: The History of England. Disponível em: <https://thehistoryofengland.co.uk/resource/anne-askew-martyr-and-author/&gt;. Acesso em: 07 nov. 2024. ↩︎
  3. FOXE, John. Actes and Monuments of these Latter and Perillous Days, Touching Matters of the Church (Book Of Martyrs), 1563, 209. ↩︎
  4. ibid, ed. 1838, Vol V, p. 550. ↩︎
  5. GOADBY, J. Jackson. Bye-Paths in Baptist History. New York: Bible and Publication Society, 1871, p.23. ↩︎
  6. DOVER-KENT ARCHIVES. Our Villages At The Beginning Of The Nineteenth Century and Now, VIII, The Baptists Of Eythorne. ↩︎
  7. BROWN, John Newton. Memorial of Baptist Martyrs. Philadelphia: American Baptist Publication Society, 1854. p. 283. ↩︎

Deixe um comentário

Tendência