Por John Newton Brown, autor da Confissão de Fé de New Hampshire de 1833.1

Joana de Boucher, ou como é mais frequentemente chamada, Joana de Kent, de alta ascendência e relacionada na corte de Henrique VIII, era inquestionavelmente uma batista. A tradição ininterrupta e incontestável relata que ela era membro da igreja batista, que se reunia em Cantuária e Eythorne, e a qual ainda floresce nesta última vila, perto da extremidade sudeste da Inglaterra, a algumas milhas de Dover, cerca de dezesseis milhas de Cantuária, onde não poucos de seus amigos suportaram o fogo do martírio.

Por mais estranho que possa parecer para alguns de nossos leitores, em 1547 foi estabelecida uma inquisição protestante, da qual Cranmer e Latimer, que foram eles próprios mártires nos anos seguintes, e outros homens de grande eminência, foram comissários. Apenas dezoito dias após a ordem ter sido emitida, Joana de Boucher foi indiciada por heresia perante este corpo, e sua sentença foi formalmente pronunciada. Do próprio registro arquiepiscopal de Cranmer, aprendemos que ele próprio atuou como juiz principal nesta triste ocasião, auxiliado por Latimer e outros três, como “procuradores, inquisidores, juízes e comissários” do rei.

Joana de Boucher tinha sido uma distribuidora ativa da tradução proibida do Novo Testamento por Tyndale. A corte de Henrique era o cenário de seus zelosos trabalhos, onde ela frequentemente introduzia os volumes sagrados sem suspeitas, amarrando, como Strype nos conta, os preciosos livros por cordões em suas vestes. Embora bem familiarizada com as Escrituras, ela não conseguia lê-las; nenhuma calamidade incomum naquela época, mesmo entre pessoas de elevada posição. Grande parte de seu tempo, Foxe nos conta, estava ocupada visitando as prisões, onde estavam encarcerados seus companheiros de tribulação, a quem era seu costume perpétua e abundantemente ajudar.

Mas havia um suposto erro que era suficiente para expô-la ao hálito venenoso da calúnia e à chama ardente. Para isso, ela teve que comparecer perante os inquisidores, “na capela da bem-aventurada Maria, de São Paulo”. As inquirições foram longas, os juízes estavam instruídos e aparentemente desejosos por salvá-la da fogueira; mas ela não podia, ela não seria convencida de que havia alguma heresia ou qualquer coisa em oposição à verdade. Nem ameaças nem súplicas a comoveram; mas uma boa consciência a tornou ousada. Por fim, ela proferiu uma linguagem que entristeceu aos seus juízes ouvirem, mas que feriu suas consciências com sua verdade reveladora. “É”, disse ela, “uma boa questão considerar sua ignorância. Não faz muito tempo que vocês queimaram Anne de Askew2 por um pedaço de pão, e ainda assim vocês mesmos vieram, logo depois, a crer e a professar a mesma doutrina pela qual a queimaram. E agora, em verdade, vocês me queimarão por um pedaço de carne, e no final vocês virão a crer nisso também, quando tiver lido as Escrituras e as entendido.”

Claramente, com “o temor de Deus diante de seus olhos,” e com invocação do nome de Cristo, o “reverendo padre em Cristo, Thomas, arcebispo de Cantuária,” com a aprovação total de seus colegas, procedeu a pronunciar sua condenação. A sentença continha seu crime e sua punição. “Você crê que, na virgem, o Verbo foi feito carne, mas que não crê que o Cristo tomou a sua carne da virgem; porque a carne da virgem sendo pecaminosamente obtida do homem exterior, e nascida em pecado, mas o Verbo pelo consentimento do homem interior da virgem, foi feito carne. Este dogma, com mente obstinada, inflexível e pertinaz, você afirma, e não sem muita arrogância de semblante. Com admirável cegueira de coração, você sustenta isso; portanto, por seus deméritos, obstinação e contumácia, agravados por uma perversidade perversa e condenável, estando também relutante em retornar à fé da igreja, você é julgada uma herege, a ser entregue ao poder secular, para sofrer no devido curso legal, e, por fim, o banimento da grande excomunhão está sobre ti.” Os inquisidores completaram os trabalhos do dia, anunciando a Edward, o jovem soberano, por meio de seu presidente, que eles haviam decretado sua separação do rebanho do Senhor como uma ovelha doente. Disseram eles: “E já que nossa santa mãe, a igreja, não tem mais nada que possa fazer a esse respeito, deixamos a dita herege para sua alteza real, e para o braço secular, para sofrer sua merecida punição.”

No entanto, houve um atraso considerável antes da execução da sentença. Podemos dar crédito aos reformadores por um desejo sincero de levar Joana de Boucher a pontos de vista mais corretos; mas não devemos reter uma expressão de justa aversão ao ato sangrento e ao princípio odioso com que agiram. Eles adotaram uma base que não saldável para sua reforma, e seu necessariamente resultou na opressão da consciência. O exercício da liberdade de pensamento e julgamento sobre a verdade das Escrituras era impossível. Ridley, de Londres, e Goodrich, de Ely, foram especialmente ativos em seus esforços para recuperá-la, à qual devem ser acrescentados, Cranmer, Latimer, Lever, Whitehead e Hutchinson.

Um ano e três dias se passaram nesses esforços inúteis. Sua constância permaneceu inabalável. No dia 27 de abril, o conselho emitiu seu mandado ao lorde chanceler para cumprir um mandado para sua execução; e diz-se que Cranmer, por Foxe, havia sido o mais urgente, com o jovem rei para firmar a assinatura real ao cruel documento. O jovem rei hesitou. Cranmer argumentou a partir da lei de Moisés, pela qual os blasfemadores deveriam ser apedrejados até a morte; esta mulher, ele disse, era culpada de impiedade aos olhos de Deus, que um príncipe, como representante de Deus, deveria punir. O jovem rei disse a Cranmer: “Meu senhor, você enviará a alma dela para o inferno?” Mas sua majestade foi compelida a ceder, e dizendo: “Se for um erro, você, meu senhor, responderá a Deus.” Com lágrimas, a assinatura real foi firmada. Rogers, o primeiro mártir do reinado de Maria, também pensou que ela deveria ser condenada à morte e, quando instado com a crueldade do ato, respondeu que queimar viva não era uma morte cruel, mas suficientemente fácil. Ele foi o primeiro homem chamado no reinado de Maria para provar a verdade de sua própria observação.

Os bispos haviam definido que Joana de Boucher deveria morrer, e no dia 2 de maio de 1550, ela apareceu na fogueira em Smithfield. Aqui, mais esforços foram feitos para abalar sua confiança. Ao bispo Scory foi atribuído o dever de pregar à moribunda e ao povo na ocasião. Strype disse: “Ele tentou convertê-la; ela zombou, e disse que ele mentiu como um velhaco, e ordenou a ele: ‘vá, e leia as Escrituras’.” Por essa linguagem compreendemos uma rejeição indignada das vergonhosas deturpações que naquela hora de provação foram feitas sobre sua fé. Ela aderiu de perto àquelas palavras de verdade que eram sua alegria e força, nos momentos de sua agonia mortal. Ela amava e adorava o Santo e Imaculado Cordeiro de Deus.

Se se quisesse, poderia ser facilmente demonstrado que Joana de Boucher não cria ou ensinava os erros que lhe foram imputados. Ela diferia dos católicos principalmente por crer que a mãe de Jesus, como todos os outros seres meramente humanos, estava contaminada pelo pecado.

Traduzido em português por Ícaro Alencar de Oliveira. Rio Branco, Acre, 07 de novembro de 2024.

  1. Em Memorial of Baptist Martyrs [Memorial dos Mártires Batistas]. Philadelphia: American Baptist Publication Society, 1854. pp. 281-285. ↩︎
  2. Nota do Tradutor: Anne de Askew (1521-1546) foi uma escritora, poeta e pregadora anabatista inglesa, acusada de heresia e queimada viva pelos católicos reformados Anglicanos. ↩︎

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