Por Chris Thomas – Confessional Bibliology

Um dos mitos mais notórios sobre Erasmo é que ele retrotraduziu os últimos 6 versículos do livro do Apocalipse. Há muitos artigos na internet pretendendo provar conclusivamente que Erasmo de fato retrotraduziu da Vulgata Latina os últimos versículos do Apocalipse. No entanto, isso faz pouco sentido quando se leva em conta a recusa de Erasmo em utilizar partes do Codex Vaticanus que lhe foram fornecidas, por causa de sua crença de que o códice foi em parte modificado por meio da retrotradução para se conformar mais de perto com a Vulgata Latina quando os cristãos ortodoxos gregos foram autorizados a entrar na comunhão latina em 1439 durante o Concílio Florentino.1 Surge de cópias aparentemente corrompidas, como a de Beza em Lucas e aquela no Vaticano exaltada por Huntley, o jesuíta, que Lucas Brugensis afirma ter sido alterada pelo latim vulgar, e que foi escrita e corrigida, como diz Erasmo, na época do concílio de Florença, quando um acordo foi remendado entre gregos e latinos. Faz ainda menos sentido quando se olha para sua correspondência com Edward Lee. Nesta postagem, veremos o seguinte:

  • Comentários de Erasmo usados ​​para apoiar a alegação de que ele retrotraduziu os últimos 6 versículos do Apocalipse da Vulgata Latina;
  • Comentários de Erasmo que demonstram que as pessoas interpretaram mal o que Erasmo disse anteriormente;
  • E uma comparação do grego de Erasmo com outros textos gregos para demonstrar a alegação exagerada de que o texto de Erasmo tem grandes diferenças em si mesmo;

ERASMO DISSE QUE RETROTRADUZIU

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Quamquam in calce huius libri nonnulla ver ba reperi apud nostros quae aberant in Graecis exemplaribus; ea tamen ex latinis adiecimus.

Contudo, no final deste livro, encontrei algumas palavras em nossas versões que faltavam nas cópias gregas, mas as adicionamos a partir do latim.2

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Dubium non erat quin essent omissa, et er – ant perpauca. Proinde nos, ne hiaret lacuna, ex nostris Latinis supplevimus Graeca. Quod ipsum tamen noluimus latere lectorem, fassi in annotationibus quid a nobis esset factum ut, si quid dissident verba nostra ab his quae posuisset autor huius operis, lector nactus exemplar restitueret. … Et tamen hoc ipsum non eramus ausuri in Euangeliis, quod hic fecimus, ac ne in epistolis quidem apostolicis. Huius libri sermo simplicissimus est, et argumentum fere historicum, ne quid dicam, de autore olim incerto. Postremo locus hic coronis tantum est operis.

Não havia dúvida de que as palavras tinham sido omitidas, e eram somente algumas delas. Para evitar deixar alguma lacuna no meu texto, preenchi o texto grego a partir da nossa versão latina. Eu, porém, não queria esconder tal fato do leitor, e admiti nas anotações o que eu havia feito. Meu pensamento era que o leitor, se tivesse acesso a um manuscrito, poderia corrigir qualquer coisa em nossas palavras que diferisse daquelas colocadas pelo autor desta obra. […] E ainda assim eu não teria ousado fazer nos Evangelhos ou mesmo nas Epístolas apostólicas o que fiz aqui. A linguagem deste livro é muito simples, e o conteúdo tem principalmente um sentido histórico, sem mencionar que a autoria já foi incerta. Finalmente, esta passagem é meramente a conclusão da obra.3

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Olhando para essas citações, parece bastante convincente que Erasmo retrotraduziu a partir da Vulgata Latina e colocou isso em suas edições impressas. Mas aqui está o problema. Se Erasmo realmente imprimiu uma retrotradução da Vulgata Latina em suas edições, então como explicamos o seguinte:

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In calce Apocalypsis in exemplari quod tum nobis erat unicum (nam is liber apud Grécia rara é inventada), deerat unus atque alter versus. Eos nos addidimus, secuti códices latinos. Et erant eiusmodi ut ex his quae praecesserant possent reponi. Cum igitur Basileam mitterem recognitum exemplar, scripsi amicis ut ex aeditione Aldina restituerunt eum locum. Nam mihi nondum emptum erat hoc opus. Id ita, ut iussi, factum est. Queso, quid hic debetur Leo? Um ipse quod deerat restituit? Atqui nullum habebat exemplar nisi meum. Sed advertência. Quasi vero non hoc testatus sim in prioribus annotationibus, quid ilic egissem et quid de syderarem.

 No final do Apocalipse, o manuscrito que utilizei (tinha apenas um, pois o livro raramente se encontra em grego) faltava uma ou duas linhas. Eu as adicionei, seguindo os códices latinos. Eles eram do tipo que poderiam ser restaurados a partir do texto precedente. Assim, quando enviei a cópia revisada para Basel, escrevi para meus amigos para restaurar o lugar a partir da edição Aldine; pois eu ainda não tinha comprado aquela obra. Eles procederam conforme os instruí. O que, eu pergunto a você, neste caso estou em débito com Lee? Ele mesmo restaurou o que estava faltando? Mas ele não tinha o texto, exceto o meu. Ah, mas ele me advertiu! Como se eu não tivesse declarado nas anotações da primeira edição o que eu tinha feito e o que estava faltando.4

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É exagerada a suposta admissão de retrotradução em suas Anotações. O texto grego para os últimos versos (ou apenas o v. 19, dependendo de quem você lê) foi obtido dos manuscritos gregos dos impressores Aldine. A ideia de que Erasmo emendaria seu texto grego a partir da Vulgata Latina era contrária à própria coisa que ele estava produzindo: uma nova tradução latina! É o cúmulo do absurdo alegar que ele retrotraduziu a partir da Vulgata o grego e então retraduziu seu grego latinizado de volta para o latim.

E não nos esqueçamos do episódio com Erasmo e a Comma Johanneum (Comma Joanina). Ela não foi impressa nas suas duas primeiras edições. Porquanto, tal fato parece ser muito estranho aos seus críticos que o acusam de retrotradução. Por que ele simplesmente não retrotraduziu a Comma Joanina a partir da Vulgata e forneceu o texto grego para ela, e, assim, evitou a controvérsia? Todo aquele tempo e esforço gastos na obtenção de um texto grego com o verso também poderiam ter sido evitados. E, no entanto, ele optou por não imprimi-la porque não tinha nenhum manuscrito grego que contivesse o versículo. Isso por si só nos diz tudo o que precisamos saber sobre os últimos 5 versículos do Novo Testamento Grego de Erasmo. Do próprio modo de proceder de Erasmo ao lidar com a Comma Joanina, podemos concluir que ele não colocaria uma retrotradução da Vulgata no lugar do texto grego.

Tal alegação se torna ainda mais ridícula quando se compara seu texto grego com outros textos gregos. O propósito de tais alegações, sobre Erasmo, é minar o texto grego autêntico, o Textus Receptus. No entanto, essas pessoas desconsideram o trabalho de Beza e Stephanus no Textus Receptus. Não esqueçamos que o Novo Testamento grego de Stephanus de 1550 é uma testemunha independente do Textus Receptus composto principalmente de 15 manuscritos gregos que Stephanus pegou emprestado da Biblioteca do Rei da França. Por que isso é importante? Por dois motivos: 1) Tentativas de desacreditar o Textus Receptus tentando desacreditar Erasmo se tornam sem sentido, pois a edição de 1550 se tornou o texto grego padrão da Reforma. 2) É frequentemente afirmado que Erasmo introduziu leituras gregas nunca antes vistas quando ele retrotraduziu. Mas tal alegação está demonstrada como falsa no gráfico de comparação abaixo.

O texto grego de Erasmo comparado com o grego de Aldine:

Assim como a história do apelo da Comma Johanneum e do Codex Vaticanus, esta história não passa de um truque com fumaça e espelhos. Apenas outro mito numa longa série de mitos sobre Erasmo, projetados para minar a fé que alguém possa ter no texto grego autêntico.

Fonte: https://confessionalbibliology.com/2016/06/08/erasmian-myths-revelation-back-translated-from-the-vulgate/

Traduzido em Português por Ícaro Alencar de Oliveira. Rio Branco, Acre – 08 de janeiro de 2025.

  1. MARSH, Herbert. Introduction to the New Testament. London, F. C. & J. Rivington, 1823. Vol. II. Part I. 4ª ed. pp. 346-347. ↩︎
  2. Annotationes, in ed. 1516, p. 675. ↩︎
  3. Resp. ad annot. Ed. Lei, ASD IX-4, p. 278 ll. 35-39 e  39-43; cf. p. 120 ll. 303-304. Trad. por Erika Rummel. ↩︎
  4. Apolog. resp. inuect. Ed. Lei (Apologia qua respondet duabis inuectiuis Eduardi Lei), ASD IX-4, pp.54-55 ll. 894-914. Trad. por Erika Rummel in CWE 72, p. 44. ↩︎

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