Dr. Thomas Ice

Em um esforço para resolver algumas diferenças entre aqueles de nós que interpretam a Bíblia e as profecias bíblicas de forma consistentemente literal, começarei examinando nossa abordagem interpretativa. A interpretação literal é uma abreviação para a nossa hermenêutica, que é chamada de método gramatical, histórico e contextual. O que isso significa e quais são as implicações de tal método?


Hermenêutica Literal

Os dispensacionalistas são bem conhecidos por sua hermenêutica literal. Muitos oponentes da teologia dispensacionalista tentam fazer parecer que os dispensacionalistas usam alguma abordagem especial ou hiperliteral. Esse não é o caso. Os dispensacionalistas simplesmente aplicam de forma mais consistente o método gramatical, histórico e contextual. Dale DeWitt observou corretamente que “a teologia dispensacionalista não possui nenhum outro método de interpretação ou hermenêutica além do da Reforma […] o dispensacionalismo não é melhor considerado um método interpretativo”.1 DeWitt continua:

A teologia dispensacionalista não emprega nenhuma hermenêutica única ou sectária; sua hermenêutica é a hermenêutica protestante histórica. Mas ela tenta aplicar esse método de forma mais consistente à profecia preditiva do Antigo Testamento do que os reformadores ou as tradições denominacionais derivadas deles estavam dispostos a fazer. Ao mesmo tempo, o esforço dispensacionalista para alcançar o literalismo mais completo possível tem sido mais uma questão de princípio do que de rigor absoluto na prática.2

O não dispensacionalista Bernard Ramm aponta que na Europa “houve uma Reforma hermenêutica que precedeu a Reforma eclesiástica”.3 Lutero e Calvino em geral retornaram a igreja à interpretação literal. Se não tivessem feito isso, o protestantismo nunca teria surgido e a reforma nunca teria ocorrido. Lutero disse: “O sentido literal das Escrituras por si só é toda a essência da fé e da teologia cristã”.4 Calvino disse: “A primeira tarefa de um intérprete é deixar seu autor dizer o que ele diz, em vez de atribuir a ele o que achamos que ele deveria dizer”.5 No entanto, como muitos de nós, Lutero e Calvino nem sempre seguiram sua própria teoria, mas eles e os reformadores com ideias semelhantes mudaram a maré hermenêutica na direção certa.

Os dispensacionalistas sempre declararam que estão simplesmente aplicando a hermenêutica consensual do protestantismo a todo o cânone das Escrituras, sem recorrer a métodos espirituais ou alegóricos simplesmente porque o texto trata do tema da profecia. Isso significa que, incluída na hermenêutica literal, está a capacidade de reconhecer e compreender figuras de linguagem e símbolos sem ter que abandonar a interpretação literal. O Dr. Ryrie enfatiza esse ponto quando afirma:

Símbolos, figuras de linguagem e tipos são todos interpretados claramente neste método e não são de forma alguma contrários à interpretação literal. Afinal, a própria existência de qualquer significado para uma figura de linguagem depende da realidade do significado literal dos termos envolvidos. As figuras frequentemente tornam o significado mais claro, mas é o significado literal, normal ou simples que elas transmitem ao leitor.6

Ramm, em seu livro-texto amplamente aceito sobre interpretação bíblica, afirma: “O programa de interpretação literal das Escrituras não ignora as figuras de linguagem, os símbolos, os tipos e as alegorias que, de fato, podem ser encontrados nas Sagradas Escrituras. Não se trata de um li cego nem de um literalismo rígido, como tantas vezes se acusa”.7

Em alguns de seus momentos mais sinceros, os oponentes da interpretação literal admitem que, se nossa abordagem for seguida, ela conduz corretamente à teologia dispensacionalista. Floyd Hamilton disse o seguinte:

Agora, devemos admitir francamente que uma interpretação literal das profecias do Antigo Testamento nos dá exatamente a mesma imagem de um reinado terreno do Messias que as imagens pré-milenistas. Esse era o tipo de reino messiânico que os judeus da época de Cristo buscavam, com base em uma interpretação literal das promessas do Antigo Testamento.8

Na mesma linha, Oswald Allis admite que “as profecias do Antigo Testamento, se interpretadas literalmente, não podem ser consideradas como já tendo sido cumpridas ou como passíveis de cumprimento nesta era atual”.9

Aqui reside o problema com aqueles, sejam evangélicos ou liberais, que não gostam da direção que a abordagem adequada (a hermenêutica literal) os leva. É claro que essas conclusões não se encaixam em sua cosmovisão a priori ou no credo de sua igreja. Assim, a lógica de sua visão leva à conclusão de que não gostam dos claros ensinamentos bíblicos sobre o futuro.


Hermenêutica Alegórica

O dicionário define literal como “pertencente às letras”. Ele também diz que a interpretação literal envolve uma abordagem “baseada nas palavras reais em seu significado comum, […] não indo além dos fatos”.10 A mãe de todos os dicionários, o Oxford English Dictionary [Dicionário de Inglês de Oxford] diz, “Pertencente à ‘letra’ (da Escritura); o epíteto distintivo daquele sentido ou interpretação (do texto) que é obtido tomando as palavras em seu significado natural ou costumeiro e aplicando as regras comuns da gramática; oposto ao místico, alegórico, etc.” 11 “Interpretação literal da Bíblia significa simplesmente explicar o sentido original da Bíblia de acordo com os usos normais e costumeiros de sua linguagem”.12 Como isso é feito? Só pode ser realizado através do método gramatical (de acordo com as regras da gramática), histórico (consistente com o cenário histórico da passagem), contextual (de acordo com seu contexto literário) de interpretação. O literalismo olha para o texto, as palavras e frases reais de uma passagem. A interpretação alegórica ou não literal importa uma ideia não encontrada especificamente no texto de uma passagem. Assim, o oposto da interpretação literal é a interpretação alegórica. Como disse Bernard Ramm em seu livro clássico e autorizado sobre interpretação bíblica, “o ‘literal’ se opõe diretamente ao ‘alegórico’”.13

Historicamente, quando as pessoas não gostam do que um documento diz ou querem adaptá-lo à sua inclinação filosófica, elas alegorizam esse documento. Foi o que Fílon fez com a Bíblia judaica em Alexandria, Egito, e, desde o início, alguns cristãos adotaram esse seu hábito e o importaram para a igreja. Ronald Diprose nos conta sobre a abordagem interpretativa alegórica de Orígenes:

No entanto, sua metodologia exegética foi profundamente influenciada pelo clima intelectual em que cresceu. Os gregos usaram o alegorismo para tornar o conteúdo mítico de obras antigas, como as escritas por Homero e Hesíodo, aceitável para leitores com uma mentalidade mais filosófica. Orígenes também foi influenciado pelo exemplo de Filo, um judeu alexandrino do século I que interpretou as Escrituras do Antigo Testamento alegoricamente para harmonizá-las com o platonismo.14

Observei em um artigo anterior15 que apenas uma abordagem ao livro do Apocalipse e aos textos proféticos é capaz de interpretar a Bíblia de forma consistente usando hermenêutica literal: o sistema futurista. Isso significa que uma parte significativa dos outros três sistemas de interpretação profética (preterismo, historicismo e idealismo) envolve algum grau de hermenêutica alegórica. Lembre-se de que o elemento alegórico de uma abordagem interpretativa significaria que uma ideia não encontrada especificamente no texto de uma passagem deve ser importada de fora de um texto específico e declarada como parte do significado de um determinado texto. Um exemplo comum empregado pelos três sistemas é que, frequentemente, quando o texto bíblico diz claramente “Israel”, eles frequentemente pensam ou dizem “igreja”. Não há base textual, mas como eles acreditam que a igreja substituiu Israel, eles acham que estão justificados em alegorizar.


Fonte: <https://www.pre-trib.org/articles/dr-thomas-ice/message/consistent-biblical-futurism-part-2/read>.
Traduzido em português por Ícaro Alencar de Oliveira. Rio Branco, Acre: 28 de agosto de 2025.


  1. Dale S. DeWitt, Dispensational Theology in America During The 20th Century [A Teologia Dispensacionalista na América durante o século XX] (Grand Rapids: Grace Bible College Publications, 2002), p. 6. ↩︎
  2. DeWitt, Dispensational Theology [Teologia Dispensacionalista], p. 8. ↩︎
  3. Bernard Ramm, Protestant Biblical Interpretation: A Textbook of Hermeneutics [Interpretação Bíblica Protestante: um manual de hermenêutica], 3ª edição (Grand Rapids: Baker Book House), 1970), p. 52. ↩︎
  4. Martinho Lutero, citado em Ramm, Protestant Biblical Interpretation [Interpretação Bíblica Protestante], p. 54. ↩︎
  5. João Calvino, citado em Ramm, Protestant Biblical Interpretation [Interpretação Bíblica Protestante], p. 58. ↩︎
  6. Charles C. Ryrie, Dispensationalism [Dispensacionalismo] (Chicago: Moody Press, [1966, 1995,] 2007), p. 91. ↩︎
  7. Ramm, Protestant Biblical Interpretation [Interpretação Bíblica Protestante], p. 126. ↩︎
  8. Floyd E. Hamilton, The Basis of Millennial Faith [A Base da Fé Milenialista] (Grand Rapids:  Eerdmans, 1942), p. 38. ↩︎
  9. Oswald T. Allis, Prophecy and the Church [A Profecia e a Igreja] (Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed Publishing, [1945] 1947), p. 238. ↩︎
  10. Webster’s New Twentieth Century Dictionary [Novo Dicionário Webster do Século Vinte], 2ª edição integral, p. 1055 ↩︎
  11. The Compact Edition of The Oxford English Dictionary [Dicionário de Inglês de Oxford — edição compacta] (New York, Oxford Press, 1971), s.v., “literal.” ↩︎
  12. Paul Lee Tan, The Interpretation of Prophecy [A Interpretação da Profecia], (Winona Lake, Ind.: Assurance Publishers, 1974), p. 29. ↩︎
  13. Ramm, Protestant Biblical Interpretation [Interpretação Bíblica Protestante], p. 119. ↩︎
  14. Ronald E. Diprose, Israel in the development of Christian thought [Israel no Desenvolvimento do Pensamento Cristão] (Rome: Istitutio Biblico Evangelico Italiano, 2000), p. 86. ↩︎
  15. “Consistent Biblical Futurism,” Part 1, Pre-Trib Perspectives (Vol. VIII, Num. 77; junho de 2010), pp. 6–7 [, publicado no site Herança Batista]. ↩︎

Uma resposta para “Futurismo Bíblico Consistente (Parte 2)”.

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